No contexto da tributação internacional, as transações entre partes relacionadas que envolvem ativos intangíveis — como tecnologias, patentes, marcas ou know-how — representam um dos desafios mais complexos para a determinação dos preços de transferência. De acordo com o princípio da plena concorrência estabelecido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os pagamentos de royalties devem refletir a remuneração que partes independentes teriam acordado em circunstâncias comparáveis, o que exige uma análise rigorosa das funções, ativos e riscos envolvidos na exploração desses intangíveis.

Definição e alcance dos intangíveis nos preços de transferência
A OCDE considera como intangíveis quaisquer ativos que não sejam físicos nem financeiros, que possam ser possuídos ou controlados para uso em atividades comerciais e cujo uso ou transferência esteja sujeito a compensação entre partes independentes. Isso inclui direitos sobre propriedade intelectual, marcas, segredos comerciais, fórmulas, processos técnicos, software especializado e outros elementos intangíveis que geram valor econômico.
É importante destacar que, embora em alguns sistemas tributários um “pagamento pelo uso de propriedade intangível” possa ser classificado como uma royalty para efeitos de convenções de dupla tributação, para efeitos de preços de transferência deve ser aplicada a análise técnica independente do tratamento previsto nos artigos de uma convenção tributária. A OCDE ressalta que os conceitos de “royalty” para tratados fiscais e “intangíveis” para preços de transferência são distintos e não devem ser confundidos.
Princípio da plena concorrência e determinação de royalties
O princípio da plena concorrência exige que qualquer transação entre partes relacionadas seja avaliada como se tivesse ocorrido entre partes independentes em condições comparáveis. Para pagamentos de royalties, isso significa estimar o nível de compensação que teria sido pago pela licença de uso ou exploração de intangíveis em operações comparáveis no mercado atual.
Esta análise requer:
- Identificação precisa do intangível: O ativo específico objeto da transação deve ser caracterizado, distinguindo entre intangíveis desenvolvidos internamente ou adquiridos externamente.
- Determinação de funções, ativos e riscos: As contribuições econômicas das partes relacionadas no desenvolvimento, manutenção, proteção e exploração do intangível devem ser avaliadas. Essa abordagem, conhecida como análise DEMPE — por Development, Enhancement, Maintenance, Protection and Exploitation — é fundamental para determinar quem assume os riscos e agrega valor econômico significativo ao intangível objeto da transação.
- Seleção do método de preços de transferência: Deve-se selecionar a metodologia que melhor reflita o princípio da plena concorrência, de acordo com as Diretrizes da OCDE. Embora em transações com intangíveis possam ser considerados vários métodos (tais como métodos baseados em preços comparáveis, métodos baseados em lucros ou métodos específicos, como o de isenção de royalties), a OCDE reconhece que não existe uma abordagem única adequada para todos os casos e que a escolha deve basear-se em fatos e circunstâncias específicos da operação.
Métodos aplicáveis e considerações práticas
Os métodos frequentemente utilizados em transações de royalties e intangíveis incluem:
- Método de isenção de royalties (Relief from Royalty): Estima o valor da licença comparando com royalties implícitos que um terceiro pagaria pelo uso de um intangível semelhante.
- Método da margem líquida transacional ou de repartição de lucros: Avaliação de como os benefícios econômicos são distribuídos entre as partes relacionadas, especialmente em operações complexas onde os comparáveis diretos são escassos.
- Métodos baseados em fluxos de caixa descontados ou análise de benefícios residuais: Utilizados quando os intangíveis são únicos e não existem comparáveis externos diretos.
A seleção do método deve ser tecnicamente fundamentada e documentada no relatório de preços de transferência, considerando a confiabilidade dos dados e o nível de comparabilidade alcançado.
Desafios em transações com intangíveis e royalties
Um dos principais desafios na avaliação de royalties e uso de intangíveis é a escassez de comparativos independentes, devido à natureza única de muitos ativos intangíveis. Consequentemente, as autoridades fiscais podem questionar análises baseadas em comparativos pouco confiáveis ou suposições não verificáveis. A OCDE oferece diretrizes para enfrentar esses desafios, enfatizando a análise econômica profunda acima de meras definições contábeis ou legais de ativos.
Além disso, a fiscalização tributária em muitos países se intensificou sobre as transações que envolvem intangíveis, considerando que estas representam uma via para a erosão da base tributária e a transferência de lucros (Base Erosion and Profit Shifting ou BEPS). Neste contexto, a documentação correta das funções, riscos e compensações associadas aos intangíveis é crucial para mitigar ajustes fiscais e contingências.
Requisitos de documentação e conformidade
Para atender às expectativas das autoridades fiscais e mitigar os riscos de ajustes, os contribuintes devem:
- Documentar exaustivamente a análise técnica e econômica que sustenta a fixação de royalties.
- Incluir análises comparativas, explicação da seleção metodológica e evidência do nível de comparabilidade alcançado.
- Alinhar a análise com as diretrizes do Capítulo VI das Diretrizes de Preços de Transferência da OCDE, que abordam especificamente transações com intangíveis.
Conclusão
As transações relacionadas ao pagamento de royalties pelo uso de intangíveis constituem uma das áreas mais sensíveis e fiscalizadas em matéria de preços de transferência. A abordagem da OCDE, particularmente a partir das ações BEPS e da análise DEMPE, reforçou a necessidade de alinhar a remuneração econômica com a criação real de valor dentro dos grupos empresariais.
Nesse contexto, a identificação correta dos intangíveis, a caracterização funcional das partes envolvidas e a seleção de métodos tecnicamente sustentáveis são elementos-chave para cumprir o princípio da plena concorrência e reduzir contingências fiscais. Uma documentação sólida e coerente com os padrões internacionais não apenas fortalece a posição do contribuinte diante de uma eventual fiscalização, mas também contribui para uma gestão fiscal mais eficiente e previsível.
Assessoria especializada em royalties e intangíveis
As operações intragrupo relacionadas ao uso de intangíveis e ao pagamento de royalties exigem uma análise técnica rigorosa e um alinhamento correto com as diretrizes da OCDE para minimizar contingências fiscais. O TPC Group, como empresa especializada em preços de transferência, assessora empresas nacionais e multinacionais na estruturação, revisão e documentação desse tipo de transação, garantindo o cumprimento do princípio da plena concorrência e da legislação tributária aplicável. Uma abordagem preventiva permite identificar riscos, otimizar as políticas de royalties e fortalecer a posição do contribuinte diante de eventuais auditorias por parte da administração tributária.
Fontes:
