Preços de Transferência na Itália: um precedente importante sobre o TNMM

dezembro 5, 2025

Este artigo analisa em profundidade a decisão da Corte di Cassazione (Supremo Tribunal da Itália) no caso Itália vs De Grisogono Italia s.r.l., sentença 29089/2025 de novembro de 2025. Este caso constitui um marco jurisprudencial recente em matéria de preços de transferência, pois aborda questões críticas sobre a aplicação do método da margem líquida transacional (TNMM) em estruturas de distribuição de baixo risco (distribuidoras de risco limitado), a seleção de comparáveis, a análise de comparabilidade, bem como a interação de ajustes por preços de transferência com o IVA. 

A decisão não apenas esclarece critérios técnicos essenciais, mas também reforça a importância da documentação econômica e funcional como elemento para comprovar a plena concorrência das transações intragrupo.  

Por sua vez, este precedente reafirma padrões que hoje são indispensáveis para a prática profissional, especialmente em matéria de seleção de comparáveis, substância econômica e defesa técnica perante fiscalizações, aspectos que consultores fiscais e departamentos de conformidade devem dominar. 

Contexto factual e estrutura da operação 

  • A entidade controlada é a De Grisogono Italia s.r.l., empresa italiana dedicada à comercialização de relógios e joias de luxo por meio de boutiques em Roma e Porto Cervo. Seus produtos são adquiridos da matriz suíça De Grisogono SA, único centro de produção do grupo. 
  • É importante destacar que o setor de luxo na Itália opera sob modelos de distribuição altamente controlados, onde a identidade da marca, a experiência da boutique e as políticas comerciais centralizadas influenciam significativamente a caracterização funcional dos distribuidores. Essas informações permitem reforçar tecnicamente a classificação da entidade como distribuidora de risco limitado. 
  • Para os exercícios de 2014 a 2016, a De Grisogono Italia documentou suas transações intragrupo utilizando o método da margem líquida transacional (TNMM), adotando um “custo líquido mais” como indicador de rentabilidade, considerando que a entidade operava como uma distribuidora de risco limitado (low-risk / limited-risk distributor). 
  • Após uma auditoria fiscal, a autoridade tributária italiana (Agenzia delle Entrate) questionou a rentabilidade declarada: aceitou a aplicação do TNMM, mas rejeitou tanto o nível de rentabilidade utilizado como as empresas comparáveis selecionadas. Utilizando a base de dados AIDA, elaborou o seu próprio conjunto de comparáveis externos e avaliou as margens com base no EBIT, concluindo que as perdas persistentes da filial indicavam que os preços pagos à matriz suíça não estavam em conformidade com o princípio da plena concorrência (arm’s-length). Além disso, a autoridade contestou a amortização do goodwill e o tratamento em matéria de IVA de certas vendas consideradas exportações. 
  • De acordo com publicações especializadas, a autoridade também sustentou que a entidade italiana gerava um valor de marca associado à boutique e à experiência de luxo, argumento que buscava questionar seu perfil de risco limitado. Embora esse ponto não tenha prosperado nos tribunais, constitui um aspecto doutrinário relevante para identificar como as administrações fiscais avaliam elementos qualitativos do negócio. 
  • Consequentemente, foram formulados ajustes adicionais tanto no imposto de renda/imposto corporativo quanto no IVA. 

Esses fatos desencadearam um litígio na sede administrativa e judicial que chegou até a Suprema Corte. 

Desenvolvimento do litígio: instâncias administrativas e judiciais 

  1. Instância administrativa — Comissão Provincial de Impostos: ao analisar a contestação apresentada pela De Grisogono Italia, anulou os ajustes por preços de transferência, indicando que o “benchmarking” realizado pela autoridade era defeituoso; também anulou os ajustes de IVA, considerando que as vendas controversas correspondiam a exportações para clientes fora da UE e não a vendas livres para viajantes. 
  2. Instância de apelação — Comissão Regional de Impostos: confirmou a decisão da instância provincial. Com base na jurisprudência sobre TNMM e análise de comparabilidade, sustentou que a autoridade tributária não havia realizado uma análise suficientemente detalhada dos fatores de comparabilidade, pelo que sua seleção de comparáveis era inadequada. 
  3. Recurso perante o Supremo Tribunal: a Agenzia delle Entrate interpôs recurso de cassação, questionando a avaliação dos fatos e a metodologia adotada pelas instâncias anteriores. A autoridade insistiu que a existência de perdas recorrentes invalidava automaticamente o perfil de risco limitado, argumento que o Tribunal considerou insuficiente por não ser apoiado por uma análise funcional completa. 

Decisão do Supremo Tribunal e fundamentos técnico-jurídicos 

O Supremo Tribunal indeferiu o recurso e confirmou a decisão favorável à empresa. Os pontos-chave de sua fundamentação são os seguintes: 

  • Reafirmou que, para aplicar corretamente o método TNMM de acordo com o artigo 110(7) do TUIR (código tributário italiano), é indispensável uma seleção cuidadosa de comparáveis e uma análise exaustiva de todos os fatores de comparabilidade relevantes — não apenas dados financeiros, mas também termos contratuais, circunstâncias econômicas, condições de mercado, funções e riscos assumidos, estratégias comerciais e estrutura organizacional. 
  • Entendeu que a avaliação realizada pela Comissão Regional sobre a inadmissibilidade do “benchmarking” da autoridade tributária correspondia a uma avaliação da prova (“fact-finding”) e que, de acordo com a doutrina processual do direito italiano, não era passível de revisão em sede de cassação (salvo erro de direito). Portanto, o Tribunal limitou sua análise à conformidade do raciocínio jurídico, não reabrindo de fato toda a análise comparativa.  
  • No que diz respeito ao IVA, o Tribunal declarou inadmissível o fundamento da autoridade tributária: para aceitá-lo, seria necessária uma nova avaliação de fatos já decididos pelos tribunais inferiores, o que excede a função de cassação. Consequentemente, os ajustes do IVA foram definitivamente anulados.  

Com isso, a decisão estabelece um precedente sólido sobre os padrões de razoabilidade, substância econômica e exaustividade exigidos na análise de preços de transferência. 

Análise técnico-doctrinária: implicações e lições para a prática 

Validade do TNMM em estruturas de baixo risco 

A decisão confirma que o TNMM é um método plenamente válido para entidades que desempenham funções limitadas e assumem poucos riscos. Isso coincide com a jurisprudência italiana anterior, que reconhece a flexibilidade metodológica nos preços de transferência. 

Em setores como o de luxo, onde a centralização estratégica e a proteção da marca são frequentes, esta decisão reafirma que o fato de pertencer a uma indústria com forte posicionamento comercial não torna automaticamente um distribuidor um gerador de intangíveis locais.  

Importância da análise integral da comparabilidade  

A decisão sublinha que a mera existência de dados financeiros comparáveis não é suficiente. Os “fatores de comparabilidade” exigidos pelas diretrizes internacionais — condições contratuais, funções, riscos, estrutura empresarial, mercado, estratégia comercial, entre outros — devem ser analisados de forma exaustiva e documentada. Isso impõe um alto padrão de documentação, análise funcional e econômica, o que reforça a necessidade de relatórios de preços de transferência que contenham não apenas dados contábeis, mas também substância econômica e justificativa comercial.  

Segurança jurídica e limitações do controle fiscal em cassação 

Ao limitar a revisão em cassação a questões de direito (e não de fato), o Tribunal oferece um grau de certeza e estabilidade — o que beneficia os contribuintes que prepararam adequadamente sua documentação. Isso é especialmente relevante em grupos multinacionais, onde uma decisão em cassação pode pôr fim a longos litígios e dar certeza sobre a validade da estratégia de preços de transferência adotada.  

Coordenação entre preços de transferência e outros impostos (IVA, amortizações, etc.) 

O caso mostra que os ajustes por preços de transferência podem ser acompanhados de questionamentos em matéria de IVA ou amortização de intangíveis — com implicações fiscais adicionais. Por isso, a estratégia de conformidade fiscal deve integrar não apenas a documentação de preços de transferência, mas também a análise do tratamento em IVA, amortização de ativos e outros aspectos fiscais que possam decorrer da reavaliação de operações intragrupo. 

Conclusões 

O caso Itália vs De Grisogono Italia s.r.l. (Supremo Tribunal da Itália, Sentença 29089/2025) consolida um precedente de especial relevância em matéria de preços de transferência, ao reafirmar princípios técnicos fundamentais aplicáveis a estruturas de distribuição de risco limitado. Em particular, a sentença valida a utilização do método da margem líquida transacional (TNMM) quando devidamente fundamentada numa análise funcional coerente e numa documentação robusta que reflita a real substância econômica das operações.  

Além disso, a decisão reforça a necessidade de que a análise de comparabilidade seja integral e exaustiva, incorporando não apenas métricas financeiras, mas também fatores econômicos, contratuais e comerciais que permitam uma avaliação adequada do princípio da plena concorrência. Nesse sentido, descarta-se implicitamente a suficiência de exercícios de benchmarking baseados exclusivamente em bancos de dados, sem o devido suporte técnico-funcional. 

Além disso, a decisão do Tribunal estabelece um importante critério de segurança jurídica ao delimitar o alcance do controle em sede de cassação, impedindo a reavaliação dos fatos quando estes foram devidamente analisados em instâncias inferiores. Por fim, o caso evidencia a interação direta entre os ajustes por preços de transferência e outras figuras tributárias, como o IVA e a amortização de intangíveis, confirmando a necessidade de abordar a fiscalidade internacional de uma perspectiva integral e não fragmentada.  

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Fonte: TPCases

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