O caso Dinamarca vs Global Services A/S, resolvido pelo Tribunal Fiscal Nacional da Dinamarca em dezembro de 2025, constitui um precedente relevante em matéria de preços de transferência, especialmente no que se refere à avaliação de ativos intangíveis em reorganizações intragrupo e ao uso do método de fluxos de caixa descontados (DCF).
A decisão fornece critérios técnicos de alto valor prático para grupos multinacionais que realizam transferências de intangíveis, reestruturações de negócios ou cisões (ou seja, a segregação ou cisão de uma parte do negócio para sua reorganização ou transferência dentro do grupo) e enfoca um aspecto frequentemente subestimado: a determinação correta do retorno das funções rotineiras em relação ao retorno residual atribuível aos intangíveis.
Este artigo analisa em profundidade os fatos do caso, os conceitos técnicos subjacentes e as principais lições que as empresas devem considerar do ponto de vista da conformidade e gestão de riscos em preços de transferência.
Antecedentes do caso
A Global Services A/S, uma entidade dinamarquesa pertencente a um grupo multinacional, participou de uma reorganização intragrupo que envolveu a transferência de ativos intangíveis para outra entidade do grupo.
Para determinar o valor desses intangíveis, a empresa preparou dois relatórios de avaliação com base no método DCF, seguindo uma abordagem comum em transações comparáveis entre partes independentes:
- O valor total do negócio foi estimado a partir dos fluxos de caixa futuros esperados.
- Foram identificadas as funções rotineiras que permaneceriam na entidade transferente.
- Foi atribuído um retorno a essas funções rotineiras.
- O valor residual resultante foi atribuído aos intangíveis transferidos.
A controvérsia surgiu quando a Administração Tributária dinamarquesa questionou a forma como a empresa havia determinado o retorno aplicável às funções rotineiras.
O cerne do conflito: retorno das funções rotineiras vs. retorno residual

O que são funções rotineiras?
Em preços de transferência, as funções rotineiras são aquelas atividades de baixo risco e baixa complexidade — por exemplo, serviços administrativos, suporte operacional ou fabricação sob encomenda — que, sob o princípio da plena concorrência, geralmente recebem retornos estáveis e relativamente baixos.
Essas funções se diferenciam das funções DEMPE (Development, Enhancement, Maintenance, Protection and Exploitation), que são aquelas que geram e controlam o valor dos intangíveis.
A abordagem da empresa
A Global Services A/S atribuiu às funções rotineiras um retorno exigido inferior ao aplicado ao negócio como um todo. Como consequência:
- O valor das funções rotineiras aumentou.
- O valor residual atribuível aos intangíveis foi reduzido.
Do ponto de vista fiscal, essa abordagem diminuía a base tributável associada à transferência de intangíveis.
A posição da autoridade fiscal
A Administração Tributária sustentou que:
- As funções rotineiras não podiam ser avaliadas utilizando um rendimento exigido inferior ao do negócio total.
- Ao fazê-lo, gerava-se uma distorção artificial do valor residual, incompatível com o que aceitariam partes independentes em condições de mercado.
O método DCF e sua correta aplicação em preços de transferência
Por que se utiliza o DCF na avaliação de intangíveis?
O método de fluxos de caixa descontados é amplamente utilizado em preços de transferência quando:
- Não existem comparáveis externos confiáveis.
- São avaliados intangíveis únicos ou altamente integrados.
- São analisadas transferências de negócios em andamento.
O DCF estima o valor atual dos benefícios econômicos futuros, descontando-os a uma taxa que reflete o risco do ativo avaliado.
O ponto crítico: a taxa de desconto
Neste caso, o tribunal enfatizou especialmente que:
- A taxa de desconto deve ser coerente com o perfil de risco real das funções ou ativos avaliados.
- Não é admissível aplicar taxas artificialmente baixas a funções rotineiras quando estas fazem parte integrante do mesmo negócio subjacente.
O tribunal concluiu que o mesmo rendimento exigido deveria ser aplicado tanto ao negócio total quanto às funções rotineiras, alinhando-se com a abordagem da autoridade fiscal.
Decisão do Tribunal Fiscal Nacional
O National Tax Tribunal determinou que:
- A metodologia da Global Services A/S não cumpria integralmente o princípio da plena concorrência.
- A abordagem da autoridade fiscal para a determinação do retorno das funções rotineiras era tecnicamente mais consistente.
No entanto, o tribunal reduziu parcialmente o ajuste proposto pela autoridade, fixando um ajuste final de aproximadamente DKK 60,3 milhões, o que demonstra que a análise foi técnica e não meramente confirmatória da posição fiscal.
Implicações práticas para grupos multinacionais
Este caso deixa várias lições importantes sobre preços de transferência:
- Coerênciainterna nos modelos de avaliação
Os modelos DCF devem ser internamente consistentes. Diferenciar taxas de retorno sem uma justificativa econômica sólida aumenta significativamente o risco de ajustes.
- Documentaçãorobusta de funções e riscos
A delimitação precisa das funções rotineiras e das funções DEMPE é crítica. Uma classificação incorreta pode alterar substancialmente a avaliação dos intangíveis.
- Relevâncianas reorganizações intragrupo
As reorganizações empresariais continuarão a ser um foco prioritário para as administrações tributárias, especialmente quando envolvem intangíveis estratégicos.
- Tendênciapara um maior escrutínio técnico
O caso confirma uma tendência global: as autoridades fiscais e os tribunais estão analisando em profundidade os pressupostos financeiros utilizados nas avaliações, e não apenas a metodologia declarada.
Conclusão
Este caso reforça a importância de aplicar critérios econômicos sólidos e coerentes na avaliação de intangíveis no âmbito dos preços de transferência.
Além da Dinamarca, a decisão é relevante para qualquer grupo multinacional que utilize modelos DCF em transferências intragrupo, pois evidencia que a alocação incorreta de retornos entre funções rotineiras e intangíveis pode ser questionada com sucesso pelas autoridades fiscais.
Do ponto de vista da gestão de riscos, este precedente sublinha a necessidade de combinar rigor técnico, alinhamento com o princípio da plena concorrência e documentação exaustiva, elementos indispensáveis num ambiente fiscal cada vez mais exigente.
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Fonte: TPCases
