A decisão proferida pelo Tribunal Distrital de Tel Aviv em outubro de 2025, no caso Hexadite Ltd. vs. Tel Aviv 3 Tax Assessor, estabelece critérios fundamentais sobre a avaliação da propriedade intelectual (PI), o tratamento de pagamentos condicionais (“holdbacks”) e a aplicação de ajustes secundários em transações entre partes relacionadas após uma aquisição. Essa decisão constitui uma referência para a prática de preços de transferência em processos de reestruturação empresarial e transferências de intangíveis dentro de grupos multinacionais.
Contexto do caso
O caso Israel vs. Hexadite Ltd. teve origem após a aquisição da empresa israelense de cibersegurança pela Microsoft em 2017, por um valor próximo a US$ 75 milhões, que incluía pagamentos iniciais e holdbacks sujeitos à permanência da equipe-chave. Após a compra, a Hexadite transferiu para a Microsoft suas funções, ativos, riscos e propriedade intelectual, declarando um valor de US$ 65,4 milhões para fins fiscais.
A Autoridade Tributária de Israel (ITA) questionou essa avaliação, argumentando que os holdbacks deveriam fazer parte do preço total da transferência e que cabia aplicar um tax gross-up para refletir adequadamente a base tributável. Também impôs um ajuste secundário por juros, considerando que houve uma contraprestação não paga entre as partes relacionadas.
Este caso torna-se relevante pelo seu impacto na avaliação de intangíveis, na inclusão de remunerações retidas e na interpretação de pagamentos diferidos em transações tecnológicas internacionais.
Marco Normativo Aplicável
O tribunal analisou o caso ao abrigo de:
- As Diretrizes de Preços de Transferência da OCDE.
- A regulamentação israelense aplicável a reestruturações empresariais, incluindo circulares administrativas sobre:
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- Transferência de ativos e funções (FAR).
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- Avaliação de intangíveis em transações entre partes relacionadas.
- Princípios do método de Preço Comparável Não Controlado (CUP) como referência principal em avaliações derivadas de transações de mercado independentes.
O uso do preço de compra de ações pela Microsoft — parte não relacionada — como referência comparativa foi particularmente relevante para a análise judicial.
Questões técnicas em disputa
O caso apresenta uma série de controvérsias técnicas relevantes para a prática de preços de transferência, especialmente na avaliação de propriedade intelectual e na interpretação fiscal de pagamentos diferidos em processos de aquisição. Os pontos centrais em disputa foram os seguintes:
1. Inclusão de um “tax gross-up” na avaliação da PI
Uma das principais questões foi se a avaliação da propriedade intelectual (PI) deveria ser aumentada para refletir a carga tributária associada à transmissão intragrupo. A ITA argumentou que, como o imposto de renda corporativo não havia sido considerado no cálculo do valor de transferência, cabia aplicar um tax gross-up, ou seja, ajustar o valor declarado para refletir o montante que a empresa teria recebido antes dos impostos. Seguindo essa lógica, a avaliação econômica subjacente aumentaria significativamente.
A Hexadite, por sua vez, sustentou que a regulamentação israelense não exigia tal ajuste para operações intragrupo de transferência de intangíveis e que o valor econômico acordado já refletia a contraprestação real aceita pelas partes.
O debate levanta uma questão fundamental: se o imposto corporativo deve ou não fazer parte do valor de mercado da transação, tema pouco desenvolvido na jurisprudência israelense.
2. Tratamento fiscal dos “holdbacks” sujeitos a permanência
A transação incluiu pagamentos retidos (holdbacks) que só seriam liberados se os fundadores permanecessem empregados por um período de três anos. A discussão girou em torno de sua natureza fiscal:
- Para a ITA, os holdbacks faziam parte do preço total pago pela Microsoft pela aquisição da Hexadite, uma vez que o comprador se beneficiava do valor gerado pela manutenção da equipe-chave que desenvolveu a tecnologia.
- Para a Hexadite, esses valores constituíam remuneração condicional ao serviço continuado, pelo que não deveriam ser tratados como parte do preço de transferência da PI nem das ações.
Este ponto é crítico, pois a classificação dos holdbacks afeta a determinação do valor do intangível, a temporalidade do reconhecimento e a carga tributária associada. A discussão também está relacionada a princípios como o benefit test, a substância econômica do pagamento e a separação entre o que constitui preço de compra e o que constitui remuneração trabalhista.
3. Ajuste secundário e juros sobre o “deemed loan”
Após determinar um valor superior ao declarado pela Hexadite, a ITA aplicou um ajuste secundário, figura que interpreta a diferença entre os dois valores como uma dívida fictícia (deemed loan) concedida pela Hexadite à sua parte relacionada estrangeira.
Seguindo essa lógica, a autoridade fiscal imputou juros sobre essa dívida, aplicando uma taxa de juros elevada, o que aumentou substancialmente o valor final do ajuste.
A Hexadite questionou essa abordagem, argumentando que não houve uma transação financeira real nem um empréstimo intragrupo, e que a aplicação de um empréstimo presumido era inadequada quando a disputa se concentra na avaliação da PI e não em uma omissão de cobrança.
O tratamento dos ajustes secundários é uma questão debatida internacionalmente. Algumas jurisdições os aplicam automaticamente; outras consideram-nos inadequados quando a diferença decorre exclusivamente de critérios de avaliação e não de um financiamento intragrupo.
Decisão do Tribunal
A decisão do Tribunal Distrital de Israel oferece orientações importantes sobre a aplicação de preços de transferência em operações de transferência de intangíveis e na interpretação fiscal de pagamentos diferidos associados a aquisições tecnológicas. A resolução aborda três aspectos fundamentais: o uso do tax gross-up, a natureza fiscal dos holdbacks e o tratamento do ajuste secundário.
1. Rejeição do “tax gross-up”
O tribunal rejeitou a proposta da ITA de aumentar a avaliação da PI aplicando um tax gross-up, argumentando principalmente que:
- O método CUP não exige a incorporação de impostos futuros ao valor de mercado. Dado que a análise da Hexadite se baseava numa abordagem comparável (Comparable Uncontrolled Price), o tribunal sustentou que esse método é utilizado para comparar preços entre operações independentes sem introduzir ajustes por encargos fiscais futuros, uma vez que estes dependem da estrutura particular do contribuinte e não do valor económico do ativo.
- O preço de aquisição já reflete as expectativas econômicas das partes.
O tribunal enfatizou que a Microsoft, como compradora independente, aceitou pagar o preço acordado pela empresa e sua propriedade intelectual, o que evidencia que essa contraprestação incorporava todos os elementos de risco e retornos esperados, sem a necessidade de inflar o valor para fins fiscais.
- A ITA não pode reinterpretar suas próprias diretrizes sem aviso prévio.
O tribunal foi claro ao apontar que a autoridade fiscal não pode modificar retroativamente a aplicação de suas diretrizes sobre preços de transferência sem comunicar formalmente uma mudança de política aos contribuintes. Neste caso, a ITA apresentou o gross-up como uma prática padrão, quando na verdade não existia tal precedente nem disposição normativa explícita.
Resultado: O tax gross-up não deve ser incluído na avaliação do IP nem dos FAR transferidos pela Hexadite.
2. Inclusão dos “holdbacks” na contraprestação total
Com relação aos pagamentos retidos (holdbacks), o tribunal concluiu que estes faziam parte do preço total da transferência, pelas seguintes razões:
- Os holdbacks estavam vinculados à condição de acionistas, não apenas ao trabalho dependente: Embora os valores estivessem condicionados à permanência dos fundadores como funcionários, o tribunal observou que o principal objetivo econômico era garantir que aqueles que desenvolveram a tecnologia acompanhassem a transição do negócio para a Microsoft. Essa conexão entre permanência e transmissão do valor acionário indica que os holdbacks faziam parte do preço de aquisição.
- A estrutura do fundo fiduciário reforçava seu caráter de contraprestação: Os pagamentos retidos foram depositados em um fundo fiduciário escolhido pelos próprios fundadores, o que reduzia significativamente qualquer argumento sobre risco de cobrança ou incerteza no valor. Para o tribunal, essa configuração era consistente com um mecanismo de distribuição diferida do preço de venda, não com um bônus trabalhista.
Resultado: Os holdbacks devem ser somados ao valor da transferência do IP e das funções, ativos e riscos (FAR).
3. Ajuste secundário e taxa de juros a valor de mercado
O tribunal aceitou a figura do ajuste secundário, considerando válida a interpretação de que a diferença entre o valor declarado e o valor determinado pela ITA pode gerar uma dívida fictícia (deemed loan) entre partes relacionadas. No entanto, fez precisões importantes:
- Rejeitou a taxa de juros proposta pela ITA por ser desproporcional: A autoridade havia aplicado uma taxa significativamente alta, sem fundamento adequado em comparáveis de mercado ou em condições reais de financiamento intragrupo.
- Ordenou a utilização de uma taxa baseada em empréstimos reais dentro do grupo Microsoft: O tribunal determinou que, tratando-se de um empréstimo fictício dentro do mesmo conglomerado, a taxa deveria refletir o custo de financiamento observável em operações intragrupo comparáveis. Essa decisão reforça o princípio da independência aplicado de forma coerente com as evidências internas do próprio grupo multinacional.
Resultado: O ajuste secundário é mantido, mas com uma taxa de juros de plena concorrência, consistente com os empréstimos intragrupo efetivos do grupo Microsoft.
Conclusão
O caso Hexadite vs. ITA marca um precedente importante na avaliação de intangíveis e no tratamento fiscal de pagamentos diferidos em aquisições tecnológicas. O tribunal reafirma que a avaliação deve refletir as condições econômicas reais, que os holdbacks devem ser analisados de acordo com sua verdadeira natureza econômica e que a autoridade fiscal deve aplicar critérios coerentes e transparentes. Sua relevância transcende Israel, oferecendo diretrizes úteis para outras jurisdições alinhadas com a OCDE.
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Fonte: TPCases
