No contexto atual da tributação internacional, a distinção entre a forma jurídica e a substância econômica adquiriu um papel determinante na avaliação das estruturas intragrupo. Embora o conceito de beneficial ownership tenha se desenvolvido principalmente no âmbito da aplicação de convenções para evitar a dupla tributação, sua análise está cada vez mais relacionada aos princípios modernos de preços de transferência.
O caso Canada v. Hutchison Whampoa Luxembourg Holdings S.A.R.L. constitui um precedente relevante para compreender como as autoridades fiscais e os tribunais analisam estruturas internacionais que envolvem entidades intermediárias, especialmente quando estas participam em fluxos de dividendos e outros pagamentos transfronteiriços.
O caso Hutchison Whampoa: contexto geral
O caso tem origem em uma estrutura na qual os dividendos de uma entidade canadense foram canalizados para sociedades residentes em Luxemburgo, com o objetivo de aplicar um tratamento mais favorável nos termos do acordo para evitar a dupla tributação. A controvérsia girou em torno da questão de saber se essas sociedades luxemburguesas podiam ser consideradas beneficiárias efetivas dos dividendos ou se, pelo contrário, atuavam meramente como entidades intermediárias.
A autoridade fiscal canadense questionou a aplicação do tratado, argumentando que as entidades intermediárias não assumiam riscos econômicos reais nem exerciam controle substancial sobre as receitas auferidas, o que invalidaria o benefício do acordo.
Beneficial ownership e sua convergência com preços de transferência
Embora o caso não aborde diretamente métodos de preços de transferência, seu raciocínio é totalmente coerente com a abordagem atual promovida pela OCDE. Em particular, reforça três princípios fundamentais que hoje são centrais nas análises de preços de transferência:
Substância econômica sobre titularidade legal
A mera titularidade formal de ativos ou direitos não é suficiente para justificar benefícios fiscais. Em preços de transferência, esse princípio se traduz na necessidade de demonstrar controle efetivo sobre funções, ativos e riscos, além de estruturas contratuais.
Atribuição real de riscos e benefícios
O tribunal avaliou quem assumia efetivamente os riscos econômicos associados aos dividendos. Essa análise é equivalente à aplicada em preços de transferência para determinar se uma entidade tem direito a uma remuneração residual ou limitada.
Relevância da coerência intragrupo
As estruturas que não apresentam consistência entre seu desenho legal, sua operação real e seus resultados econômicos são particularmente vulneráveis a ajustes fiscais, tanto no âmbito de tratados quanto em preços de transferência.

Implicações práticas para grupos multinacionais
O caso Hutchison Whampoa evidencia que as autoridades fiscais analisam as estruturas internacionais de forma integral, sem compartimentar artificialmente conceitos como propriedade beneficiária, abuso de tratados ou preços de transferência.
Para os grupos multinacionais, isso implica que:
- As holdings intermediárias devem ter substância econômica real.
- Os fluxos passivos (dividendos, juros, royalties) devem estar alinhados com as funções e riscos efetivamente assumidos.
- A documentação dos preços de transferência deve ser coerente com a narrativa fiscal utilizada para a aplicação dos acordos.
- As estruturas concebidas exclusivamente para fins fiscais apresentam um risco elevado de serem questionadas em várias frentes.
Conexão com o BEPS e a fiscalidade internacional atual
O raciocínio do caso está alinhado com os objetivos das Ações BEPS, em particular:
- Ação 6, orientada para prevenir o abuso de convenções.
- Ações 8–10, que buscam alinhar a atribuição de benefícios com a criação de valor econômico.
Nesse sentido, o caso reforça a tendência para uma análise integrada das estruturas intragrupo, onde os preços de transferência, a substância econômica e a aplicação de tratados convergem.
Conclusão
O caso Hutchison Whampoa Luxembourg Holdings, embora não constitua um precedente clássico de preços de transferência, oferece lições valiosas para sua prática moderna. A avaliação da substância econômica, a atribuição real de riscos e o papel efetivo das entidades intermediárias são hoje elementos essenciais tanto para a defesa de estruturas internacionais quanto para a mitigação de riscos fiscais.
Para as empresas multinacionais, a principal lição é clara: o planejamento tributário e os preços de transferência devem ser abordados de forma coerente, técnica e alinhada com a realidade econômica do grupo, em um ambiente onde a transparência e a fiscalização internacional continuam se intensificando.
Estratégia, substância econômica e defesa técnica em preços de transferência
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Fonte: Canadian Accountant
