O Arquivo Mestre é um dos componentes centrais da documentação de preços de transferência estabelecida pela OCDE dentro da norma BEPS Action 13. Seu objetivo é fornecer uma visão global do grupo multinacional: estrutura organizacional, descrição do negócio, intangíveis, atividades financeiras e posição fiscal consolidada.
Embora a OCDE recomende sua adoção, nem todos os países da América Latina o incorporaram, o que gera diferenças relevantes no cumprimento tributário dos grupos multinacionais que operam na região.
Este artigo apresenta uma visão clara e comparativa do Arquivo Mestre na América Latina: o que é, o que deve conter e em quais países é obrigatório.
O que é o Arquivo Mestre?
O Arquivo Mestre é um documento de caráter global que fornece uma visão integral do grupo multinacional. Seu objetivo é permitir que as administrações tributárias entendam o funcionamento do grupo antes de analisar operações específicas. Para isso, ele é estruturado em seções que detalham a organização, atividades, intangíveis, políticas financeiras e a estratégia global de preços de transferência.
A seguir, explicamos em que consiste cada um dos elementos que devem ser incluídos:
1) Estrutura organizacional do grupo multinacional
- O que incluir: organograma legal com todas as entidades do grupo (países de residência e porcentagens de participação); organograma operacional que mostre funções e centros de decisão; identificação das entidades-chave (sede central, centros regionais, hubs de serviços, titulares de intangíveis).
- Por quê: facilita à autoridade localizar os atores relevantes e compreender a cadeia de controle e as decisões corporativas que explicam a alocação de lucros.
2) Atividades e linhas de negócios em nível global
- O que incluir: descrição das principais linhas de negócio (produtos/serviços), modelo operacional global (centralizado, regional, centros de serviços), cadeia de abastecimento relevante para os produtos/serviços mais importantes e mercados-chave por região.
- Porquê: fornece o contexto económico que permite avaliar se as transações intragrupo são consistentes com a forma como o valor é gerado no grupo.
3) Intangíveis relevantes e políticas de propriedade intelectual (DEMPE)
- O que incluir: lista de intangíveis importantes (marcas, patentes, software, know-how), titulares legais, localização das atividades de P&D e, especialmente, a análise DEMPE (Desenvolvimento, Melhoria, Manutenção, Proteção, Exploração), indicando quais entidades realizam essas funções e como são remuneradas.
- Porquê: a norma BEPS exige que as informações sobre intangíveis permitam avaliar se a remuneração corresponde a quem realmente cria, preserva e explora o valor (não apenas ao titular legal).
4) Atividades financeiras e acordos de financiamento intragrupo
- O que incluir: políticas de financiamento do grupo, descrição dos empréstimos intragrupo e condições (taxas, prazos), cash pooling, funções de tesouraria e garantias intragrupo, bem como a estrutura de capital consolidada.
- Por que: define a sustentabilidade e a coerência da alocação de riscos financeiros e da remuneração por funções de financiamento centralizadas. A OCDE fornece orientações sobre transações financeiras e documentação probatória que deve ser anexada.
5) Estratégia global de preços de transferência
- O que incluir: políticas internas (métodos preferidos — TNMM, CUP, margem líquida, etc.), regras para a fixação de preços em modelos de distribuição, manufatura, prestação de serviços e tratamento de intangíveis; critérios de atribuição de riscos; mecanismos internos de controle e auditoria de conformidade.
- Por quê: ajuda a entender a coerência entre a política econômica do grupo e os resultados relatados por cada entidade, facilitando a análise de comparabilidade.
6) Informações financeiras e fiscais consolidadas do grupo
- O que incluir: demonstrações financeiras consolidadas (auditoria, se houver), resultados por segmento ou região, impostos pagos por jurisdição e resumo de acordos prévios de preços (APAs) ou resoluções relevantes.
- Por quê: permite que a autoridade cruze informações entre a documentação e os resultados agregados do grupo para detectar inconsistências ou áreas de maior risco.
Situação do Arquivo Mestre na América Latina (2025)
A seguir, detalhamos os países onde é e não é obrigatório.
Países que EXIGEM Arquivo Mestre
México
- Obrigatório para contribuintes que ultrapassam determinados limites de renda.
- É apresentado anualmente ao SAT.
- Baseado expressamente na Ação 13 do BEPS.
Brasil
- Com a convergência para o padrão da OCDE (Lei 14.596/2023 e Instrução Normativa RFB N.º 2.161/2023).
- Exigido para grupos multinacionais com renda consolidada superior a EUR 750 milhões.
Chile
- Obrigatório desde 2016, de acordo com as normas da OCDE.
- É apresentado ao Serviço de Impostos Internos (SII).
- Requisito para multinacionais com presença no Chile.
Argentina
- Obrigatório para contribuintes que ultrapassem os limites de faturamento ou possuam operações relevantes.
- Apresentação anual à AFIP.
Colômbia
- Exige o Arquivo Mestre para contribuintes que ultrapassem determinados limites.
- Apresentado à DIAN.
- Está alinhado com a Ação 13 do BEPS desde 2017.
Peru
- Obrigatório desde 2017.
- Deve ser apresentado quando a receita exceder os limites estabelecidos e forem cumpridos requisitos específicos.
- Alinhado ao esquema da OCDE de Arquivo Mestre + Arquivo Local.
Equador
- Obrigatório para contribuintes que excedam certos níveis de receita e operações com vinculados.
- Apresentação ao SRI.
Uruguai
- O Relatório Mestre é geralmente exigido às entidades integrantes de grupos multinacionais com receitas consolidadas superiores a 750 milhões de euros (alinhado com o Relatório País por País). Deve verificar se a entidade se enquadra na categoria de “Grande Contribuinte” com obrigações especiais.
República Dominicana
- Obrigatório desde a modificação do Regulamento de Preços de Transferência pelo Decreto 256-21 (2021).
- Deve ser apresentado juntamente com o Arquivo Local no prazo de 180 dias após a apresentação da Declaração Informativa (DIOR).
Países que NÃO EXIGEM Arquivo Mestre
Paraguai
- Exige apenas declarações informativas e estudos de comparabilidade, mas não adotou o Arquivo Mestre.
Bolívia
- Não exige Arquivo Mestre.
- Seu regime de preços de transferência é mais limitado e menos alinhado com a OCDE.
Venezuela
- Exige documentação de Preços de Transferência, mas não especificamente um Arquivo Mestre sob o padrão BEPS.
Panamá
- Os contribuintes sujeitos a Preços de Transferência devem ter o Arquivo Mestre disponível no momento da apresentação da Declaração Informativa (Formulário 930) e devem entregá-lo à DGI se esta o solicitar (prazo de 45 dias). Não é uma “entrega automática” anual, mas é uma obrigação de preparação e conservação.
Tendências na região
- O Brasil foi a mudança mais importante dos últimos anos, ao adotar o padrão da OCDE com o Arquivo Mestre.
- A cada ano, mais países avançam em direção ao modelo Arquivo Local + Arquivo Mestre + Relatório País por País.
- A pressão internacional por meio da OCDE, UE e G20 está acelerando a padronização.
- Em vários países, mesmo onde não é obrigatório, as autoridades já solicitam informações equivalentes durante as auditorias (por exemplo, Panamá e República Dominicana).
Conclusão
O Arquivo Mestre já é uma exigência na maioria dos principais países da América Latina, especialmente aqueles com maior integração econômica internacional: México, Brasil, Chile, Argentina, Colômbia, Peru, Equador e Uruguai.
Para grupos multinacionais com operações regionais, é fundamental alinhar seu relatório global ao padrão da OCDE, revisar os limites específicos de cada país e garantir que as informações estejam disponíveis para todas as filiais que as necessitem.
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